A Marcha que não me representa
Pouco tempo atrás eu era do tipo de que não acreditava em racismo. Quero dizer, lógico que o racismo existia, mas era algo a parte, acontecia vez ou outra em casos isolados, e partia de pessoas brancas e assumidamente racistas, como alguns neonazistas, estrangeiros de pele clara, moradores do interior sulista brasileiro, ou até mesmo os negros mais antigos, que devido ao seu histórico de opressão, acabavam por revelar seu racismo interiorizado. Até o dia em que decidir TORNAR-ME negra, não havia me dado conta desse racismo que continua vivo em nosso dia a dia, esse racismo que coloca a mulher negra a margem, até mesmo em locais onde isso não devia acontecer.
Nasci com a pele preta, e o cabelo crespo, mas logo cedo (4
anos),tive meus cabelos alisados,e fui ensinada que se queria ser alguém na
vida deveria me espelhar em mulheres brancas,inteligentes,bonitas e ricas.Isso
me pareceu sensato durante um bom tempo,afinal de contas eu já tinha nascido
marcada pela minha cor de pele,nada mais justo do que tornar-me o mais
semelhante possível que uma mulher branca,porque isso significava encontrar a
liberdade,a liberdade que me foi tirada devido minha descendência negra.Só mais
tarde,após minha aproximação ao feminismo pude me dar conta de toda a opressão
em que estava inserida,tive consciência e força para enfrentar o
machismo,racismo,homofobia etc.Afinal de contas era praticamente impossível ser
feminista,e não lutar contra todas as outras formas de preconceitos
existentes,uma coisa levava a outra.
percepção de que a luta da mulher negra difere-se da luta da mulher branca veio primeiramente com a Marcha das Vadias BH,para a qual confeccionei um cartaz que carreguei durante toda a caminhada com os dizeres “ SOU LÉSBICA,NEGRA,VADIA E LIVRE” que gerou grande repercussão e represália por parte de minhas colegas de Marcha(todas brancas) que se incomodaram com a frase,porque segundo elas,ser negra e afirmar-se negra em um cartaz não fazia sentido,uma delas chegou a me dizer que a frase a incomodava,porque parecia que eu estava querendo trazer uma outra pauta a Marcha,uma pauta que não cabia ali naquele momento em que centenas de meninas e mulheres marchavam pela liberdade da MULHER.Aquele momento não me pertencia como mulher negra.Passado a Marcha uma foto minha com o cartaz foi divulgada em alguns jornais da cidade e na própria página da MVBH,fui conferir os comentários na foto no facebook,e me deprimi ainda mais,pois neles continham exatamente tudo aquilo o que eu gostaria de não representar no evento: A sexualização da mulher negra. Em dezenas de comentários não havia um sequer sobre a auto-afirmação da mulher negra, sobre a luta destas mulheres em meio a Marcha, nada disso, apenas encontrei comentários falando de minha aparência física, do batom vermelho que combinava com minha tonalidade de pele, da semelhança do meu corte (até então alisado) com o da cantora Rhiana,e até mesmo comentários questionando se eu era realmente negra.Nunca imaginei este tipo de comentários em uma página sobre um evento feminista,nunca imaginei ser reduzida ao um pedaço sexualizado de carne.Lógico que nesta minha busca pelo reconhecimento e enfrentamento do racismo tive consciência de que uma das máscaras utilizadas por ele é a sexualização da mulher negra.Inúmeras vezes escutei de vários homens e mulheres que preferiam namorar uma mulher mais clarinha,mas era questão de gosto pessoal,que não eram preconceituosos pelo contrário,afinal de contas acham o corpo da mulher negra mil vezes mais gostoso,as curvas perfeitas,os quadris largos,os seios... Mas que para casarem, ou ter algo mais sério a mulher branca seria a escolhida.
percepção de que a luta da mulher negra difere-se da luta da mulher branca veio primeiramente com a Marcha das Vadias BH,para a qual confeccionei um cartaz que carreguei durante toda a caminhada com os dizeres “ SOU LÉSBICA,NEGRA,VADIA E LIVRE” que gerou grande repercussão e represália por parte de minhas colegas de Marcha(todas brancas) que se incomodaram com a frase,porque segundo elas,ser negra e afirmar-se negra em um cartaz não fazia sentido,uma delas chegou a me dizer que a frase a incomodava,porque parecia que eu estava querendo trazer uma outra pauta a Marcha,uma pauta que não cabia ali naquele momento em que centenas de meninas e mulheres marchavam pela liberdade da MULHER.Aquele momento não me pertencia como mulher negra.Passado a Marcha uma foto minha com o cartaz foi divulgada em alguns jornais da cidade e na própria página da MVBH,fui conferir os comentários na foto no facebook,e me deprimi ainda mais,pois neles continham exatamente tudo aquilo o que eu gostaria de não representar no evento: A sexualização da mulher negra. Em dezenas de comentários não havia um sequer sobre a auto-afirmação da mulher negra, sobre a luta destas mulheres em meio a Marcha, nada disso, apenas encontrei comentários falando de minha aparência física, do batom vermelho que combinava com minha tonalidade de pele, da semelhança do meu corte (até então alisado) com o da cantora Rhiana,e até mesmo comentários questionando se eu era realmente negra.Nunca imaginei este tipo de comentários em uma página sobre um evento feminista,nunca imaginei ser reduzida ao um pedaço sexualizado de carne.Lógico que nesta minha busca pelo reconhecimento e enfrentamento do racismo tive consciência de que uma das máscaras utilizadas por ele é a sexualização da mulher negra.Inúmeras vezes escutei de vários homens e mulheres que preferiam namorar uma mulher mais clarinha,mas era questão de gosto pessoal,que não eram preconceituosos pelo contrário,afinal de contas acham o corpo da mulher negra mil vezes mais gostoso,as curvas perfeitas,os quadris largos,os seios... Mas que para casarem, ou ter algo mais sério a mulher branca seria a escolhida.
Após a descoberta do
feminismo senti-me na zona de conforto por um bom tempo, era livre para
assumir-me como negra, inserir-me na cultura de meu povo, deixar os meus
cabelos crespos serem tão livres como eu me sentia dançar ao som dos tambores
de meus antepassados e finalmente conhecer o racismo na própria pele, mas agora
como uma diferença: Eu realmente poderia reconhecê-lo, em seus mínimos
detalhes, ele não mais se esconderia de gosto pessoal, piadas inteligentes, ou
qualquer outra desculpa que usariam dali para frente para me convencer que tudo
não passava de exagero de minha parte, e que eu nem era tão negra assim para
indignar-me com o preconceito a que era exposta todos os dias. A primeira
experiência com esse racismo não demorou tanto,aconteceu
instantaneamente,primeiro com a percepção de que quanto mais ia avançando em
minha graduação em exatas menor o número de mulheres,e que o número se reduzia
infinitamente mais quando se tratava de
mulheres negras,segundo por me sentir a margem de movimentos feministas,de
começar a pensar que talvez aqueles grupos onde estava inserida não me
representassem como um todo.
Enquanto minhas colegas feministas brancas utilizam-se de
seus corpos como uma das diversas formas de exercer sua liberdade, no
imaginário coletivo o corpo da mulher negra representa o símbolo da escravidão,somos hiper sexualizadas para que se
justifique o racismo a que estamos expostas,não há nenhuma transgressão para a
mulher negra da periferia sair de saia curta,afinal isto faz parte de nosso dia
a dia,nós enquanto pretas não temos a menor intenção de reivindicar o direito
de ser vadia,já que somos consideradas como tal.Após esta experiência com a
Marcha das Vadias,pude me dar conta de que este feminismo branco,que utiliza a
palavra igualdade para dizer que dá importância o suficiente para todas as
causas realmente não poderia me representar como mulher preta,pois o racismo
não é uma opressão que tem o mesmo efeito para todos os gêneros.
Não pretendo questionar a legitimidade do feminismo, mas sim
trazer a reflexão que enegrecê-lo é preciso, pois as mulheres negras continuam
próximas as condições da imediata abolição da escravatura e por mais que o
feminismo justifique-se tendo a igualdade como lema é necessário que as
questões raciais sejam fundamentais para um novo conceito do ativismo feminista,
e que a opressão racista patriarcal seja colocada em pauta.
Helen de Castro
Enegrecer o feminismo é algo extremamente necessário!
ResponderExcluirÓtima argumentação. Precisamo 'enegrecer' não só o feminismo, mas toda a sociedade ;)
ResponderExcluirOlá, amei vc e o seu texto. Obrigada pois, agora eu consigo ver um lado do feminismo que eu nao fazia ideia q existia. Parabéns pelo texto e pela sua coragem de ser quem você é. Estranho mas, nesse mundo, só quem tem coragem faz isso. Bjos e sucesso.
ResponderExcluirGostei muito da sua observação, pois, as pessoas raramente se dão conta do que acontece, a maioria das mulheres negras não se valorizar e ate se sentem bem ao sai pelas ruas e serem tradadas como objeto sexual, quando um homem olhar pra elas somente querendo transar, onde esta a liberdade dos negras.
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